As festas tradicionais do ano ganharam ao longo do tempo uma característica que se revela cada vez mais danosa aos sentimentos puros e nobres das relações interpessoais. Dar presente tornou-se obrigação. Não presenteamos gratuitamente; somos obrigados a dar alguma coisa a outra pessoa e esperamos em troca ganhar também. Criamos expectativas quanto ao que ganharemos. Falamos em trocar presentes como se isso alimentasse o dom, a gratuidade, a espontaneidade do gesto. Assim, nos vemos obrigados a presentear no aniversário, na páscoa, na formatura, no casamento, no natal. Fica mal visto aquele que chega de mãos abanando ou que dá um presente démodé. Pior, costumamos perguntar se a pessoa precisa de alguma coisa, para que o presente se torne então um investimento certo.
O jornal “El Pais” publicou na seção “psicologia” uma reportagem sobre o minimalismo cujo título é “Jogar fora um objeto por dia vai fazer você se sentir melhor” (http://goo.gl/vqlhRN). Na matéria, perguntas inquietantes, como: “Por que o supérfluo ocupa tanto espaço? Nossas posses nos possuem e escravizam? Temos coisas demais? Pertencemos a nossos pertences?” Valentina Thörner, personal organizer e especialista em produtividade, alemã residente em Barcelona, responde que “todos temos coisas demais” ao que acrescenta: “nossa cultura está orientada para o consumo desenfreado. Não só de objetos, também de tarefas e atividades. E ainda por cima temos de dormir oito horas por noite!” Relembro um conto na ânsia de encontrar rumos para a verdadeira liberdade.
Um homem já de certa idade entrou no ônibus. Enquanto subia, um de seus sapatos escorregou para o lado de fora. Mas a porta se fechou e o ônibus saiu, e não foi possível recuperá-lo. Tranquilamente, o homem retirou seu outro sapato e jogou-o pela janela. Um rapaz, vendo o que acontecera, perguntou: – “Notei o que o senhor fez. Por que jogou fora seu outro sapato?” – “Para que quem o encontrar seja capaz de usá-los. Provavelmente, apenas alguém necessitado dará importância a um sapato usado encontrado na rua. E de nada lhe adiantará apenas um pé de sapato.” Assim, o homem mostrava ao jovem que não vale à pena agarrar-se a algo simplesmente por possuí-lo, nem porque você não deseja que outro o tenha. Perdemos coisas o tempo todo. A perda pode parecer-nos penosa e injusta inicialmente, mas possibilita que mudanças, quase sempre positivas, ocorram em nossa vida.
Como o homem da história, desprendamo-nos. Seja qual for a razão que tenha feito o homem perder seus sapatos, não podemos evitar a perda de coisas. A propósito, algumas perdas são até necessárias. O homem sabia disso. Acumular posses não nos faz melhores nem faz o mundo melhor. Todos temos de decidir constantemente se algumas coisas devem manter o seu curso em nossa vida ou se estariam melhores com outros. Sabemos o quanto nos custa aprender a perder para ganhar, doar para ter, morrer para viver. E não poucos vivem de fingir não ver nem sentir e de fugir de enfrentar-se na realidade da sua condição.
Que Deus nos dê a graça do desprendimento das coisas e das pessoas. Que Ele nos ensine a buscar entre as coisas que passam, aquelas que não passam e que nos sustente o coração nas coisas do alto, lá onde está a nossa meta, a nossa morada definitiva, e onde nada do que aqui nos prende fará mais sentido. Devemos fazer dom de nossa vida, isto é, vale mais a presença do que o presente, às vezes, forçado por circunstâncias e situações. O desafio continua: amar as pessoas e usar as coisas.
Seja bom o seu dia e abençoada a sua vida. Pax!!!
* Autor: Padre Sandro Rogério dos Santos [19/12/2018]