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Amor dolorido, não deficiente

15/07/2017 - Atualizado em 16/07/2017 | Por: Pascom

Valor da Vida Humana

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* Padre Sandro Rogério dos Santos

Durante a gestação, a notícia: o filho é microcéfalo. O que dizer a essa mãe dilacerada? Segundo a visão cristã, sofrimento e mal são parte do mistério da vida. São Paulo fala em completar na carne o que faltou à paixão de Cristo, pela Igreja (cf. Col 1,24). Atitude importante no primeiro momento seria a de ouvir a mãe e dar-lhe amor, acolhê-la. O amor afasta o medo. Não fixar tanto na doença e no sofrimento, mas na vida que nela está sendo gestada.

 Encontrar motivos para a má-formação do feto agora é um exercício inócuo e mais aumentará, não diminuirá a dor. Seria bom conversar sobre as outras formas de ‘normalidade’ das pessoas, pois estabelecemos critérios, e os pais sonham com a vida, presente e futura, dos seus filhos. Neste caso, temos uma vida que dependerá dos pais intensa e constantemente. Essa será uma oportunidade de verificar quanto de amor existe nesses pais. Quem ama sofre. Todo amor gera sofrimento. E ainda assim, só os ‘não-normais’ desejariam não amar para fugir do sofrimento.

O amor dessa mãe seria para o filho dos sonhos ou para o filho real? Ela tem direito de sofrer, chorar, zangar-se com a rasteira que a vida lhe deu, mas logo terá que virar essa página para acolher o novo ser, amá-lo tanto quanto o amava antes da triste notícia. A criança não morreu, quiçá, morreram os sonhos/planos que tinham para ela. Numa cena do evangelho, João 9,1-3, Jesus vê um cego de nascença e seus discípulos, então, lhe perguntam: “quem pecou, ele ou seus pais, para que nascesse cego”, ao que o Mestre responde: “nem ele nem seu pais pecaram; nasceu assim para que nele se manifeste a glória de Deus”.

Nossa sociedade de bem-estar, infelizmente, só aceita os ‘normais’ ou pelo menos aqueles que não deem muito trabalho nem sejam dependentes. Isso acontece com os idosos que, não produzindo nem ‘se virando sozinhos’, veem-se obrigados a viver longe da família, renegados pelos seus. Também sofrem desse mal as pessoas deficientes físicas ou mentais. Costumam dizer no senso comum que somente pessoas especiais podem acolher uma vida especial. A verdadeira deficiência é a falta de amor. ‘Tudo concorre para o bem dos que amam a Deus’ (Rm 8,28), este mesmo que ‘não nos dará provações maiores que as nossas forças’ (1 Cor 10,5). Ele que veio para nos dar ‘vida em plenitude’ (Jo 10,10).

Talvez, quem me perguntou não quisesse uma reflexão filosófico-existencial, mas uma palavra de conforto, consolo. Entretanto, entender e fazer entender o momento de completa frustração, de profunda dor que o mistério do mau propicia é um caminho libertador. Nunca sem amor. Nunca sem fé. Nunca sem confiança no Senhor. Ele, só Ele, tudo sabe e pode. Uma vida humana tem valor absoluto em si, ainda que não possa se desenvolver conforme os critérios socialmente atribuídos.

A intensidade do amor dos pais tornará possível uma vida ‘normal’ para essa criança. Eis a oportunidade de descobrir o significado da promessa matrimonial dos cônjuges serem fieis um ao outro na ‘alegria e na tristeza, na saúde e na doença’. Ao invés de perguntar “por quê” isso acontece comigo, seria mais ajustado “o que posso aprender com isso”, “o que Deus quer de mim dando-me tal missão”. Por fim, é hora de abrir-se ao mistério absoluto e desconhecido da vida. Deixar-se conduzir pela extrema novidade da situação. O Senhor prometeu “eu estarei convosco todos os dias até o final dos tempos” (Mt 28,20). Só o amor cura das deficiências.

Seja bom o seu dia e abençoada a sua vida. Pax!!!


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